quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O IPÊ E O FOTÓGRAFO

O Ipê e o Fotógrafo

Acomodado, soberbo à beira da estrada, o frondoso ipê amarelo  vê calmamente passar um observador atento, em busca de seu próximo registro. Tomando posição, buscando a melhor luz, o mais perfeito ângulo, clica. Eufórico o fotógrafo se vai, certo de ter impregnado a emulsão do filme com a imagem mais sublime feita naquela tarde de sol intenso, plena primavera.À sua volta outras árvores floridas esforçam-se para que ele às perceba, porém, aquele caçador de imagens, estando contente com seu feito, crendo já haver capturado em sua lente o momento de ouro, não via mais nada em seu redor; entorpecido pela gravura imaginada tornou-se cego para as outras belezas do lugar. A noite caiu, acomodado no aconchego do lar, relata a seus companheiros sua alegria e quase não consegue dormir, noite longa, chega a sonhar com a foto, ansioso em ver o filme revelado e no papel estampado tudo que vira de antemão tornar-se realidade. 
Pronto, um belo exemplar, mil elogios até prêmios conquistados.
Passados alguns anos, muitas imagens de igual porte e valor. A tecnologia digital chega e as câmeras minúsculas, com muitos recursos, mega pixels e zoons que aproximam tudo. Os ipês, as azaléias, orquídeas continuam a se enfeitar, porém os cliques acontecem de maneira muito mais afoita com menos critério, tamanha facilidade que se tem de congelar o momento e em seguida eliminar as imagens ao "bel prazer". O imediatismo toma o lugar do lirismo, da observação, as imagens tornam-se banalizadas, sem conter a profundidade que permeavam as idéias dos fotógrafos de outrora, há uma avalanche de amadores que não se atém às regras de simplicidade, enquadramento, composição, valorização do assunto e a tão difundida regra do terço. Realmente nivelaram por baixo, num vale-tudo desenfreado, qualquer coisa pode ser registrada, e no momento seguinte atirada ao lixo com um simples "deletar", sem falar que tão enorme quantidade de "fotos" estarão armazenadas nos hard-disk ou memórias internas dos PCs, ou ainda nos CDs, gravados às pressas mecanicamente, fadadas ao esquecimento, para um postergado catalogamento das imagens que por certo não serão vistas, que ainda por um descuido ou ineficaz manuseio possam ser perdidas para nunca mais serem recuperadas. De que adianta tais avanços, inúmeras pesquisas; primavera, outono, inverno, verão, diversas alvoradas e pores de sol, se estão distraídos, tocando os botões destas engenhocas os amantes das "fotodigimagens" tornam-se alheios ao esforço que a natureza, que continua bela, e não consegue adentrar nos corações congelados destes cibernautas preocupados que estão com os cartões de memória esgotados e com as baterias recarregáveis que se esvaem quase que a toa. O ipê continua lá, como uma vaidosa passista de escola de samba, a se produzir com suas flores à beira da estrada, garboso, frondoso, mas imperceptível aos olhos apressados, descuidados, talvez hipnotizados pelos chips dos tais "admiradores" da fotografia.
A vida continua, desejamos paz, amor e com este objetivo acuso aqui minha indignação com o descaso à arte que se imprime, torcendo para que seja algo passageiro, não no sentido de conter tal progresso, mas para que se organize a produção cultural desta nova arte que surge a passos largos bem em frente de nossos olhos. Sob pena de não darmos o devido valor à antiga e perseguida maneira que a humanidade buscou através dos tempos que é de conseguir perpetuar os acontecimentos através das imagens.
Dezembro 2004.
Arcílio José Caldas Neto.
(fotógrafo)

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